Turbulentos e insolentes mineiros

Visão do escritor, antropologista e estudioso inglês Richard Burton

O escritor, antropologista e estudioso inglês Richard Burton (1821/1890), no livro Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho (1868), descreve detalhes de sua rápida passagem pelo Morro Vermelho, saindo de Raposos em direção a Gongo Soco (Barão de Cocais).

Bananeiras e coqueiros

“...No dia 10 de julho de 1867, partimos (de Raposos) às 9 da manhã, hora que pode ser chamada de viagem de família naquela estação e, avançando para leste, passamos pelo lugarejo denominado Praia do Bem Será. Consta de seis fileiras de casinholas, com esteios fincados no chão, suportando um telhado sobre uma armação de madeira; muitas vezes, assim, o telhado fica pronto e são colocadas as portas e janelas antes de aparecerem as paredes...”

“...Uma virada para leste nos mostrou Morro Vermelho, na bacia normal. Esse morro, realmente vermelho e em forma de esfinge, ergue-se a suleste de Morro Velho. Um raio destruíra, recentemente, seu cruzeiro. A igreja de duas torres, com suas três janelas escuras e caiação abundante, era uma prova de prosperidade; e, ao descermos, ouvimos o som dos sinos, anunciando-nos que o enérgico pastor estava chamando seu rebanho à “pastagem” espiritual. As casas estão espalhadas entre bananeiras e coqueiros. Chegamos à calçada – “une fois sur la chaussée et le voyage est fini” (uma vez na calçada e a viagem acabou), pode-se dizer aqui, como na Rússia – e, cerca de meio-dia, entramos no povoado.

O Sr. Francisco Vieira Pinto – popularmente Chico Vieira – nos ofereceu um almoço e informações sobre Morro Vermelho. A data precisa de sua fundação é desconhecida: dificilmente pode ser anterior ao começo do século XVIII. O ouro era encontrado ali naturalmente ligado ao cobre e ao ferro, sendo explorado em vários lugares; e, desses, oito ainda dão algum resultado.

<i>Reprodução Internet</i>
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Povo da pele vermelha

A indústria assumiu importância, e em todas as perturbações e desordens, os turbulentos mineiros participaram, com Caeté e Raposos, contra as autoridades portuguesas e os poderes de fora. A atividade, comparada com o tamanho daqueles lugares, era surpreendente; naqueles dias, porém, os proprietários de terras e de minas tinham não apenas negros, mas multidões de escravos de pele vermelha, que de nada gostavam mais que de uma briga.

Em 1715, Morro Vermelho armou-se e juntou-se, em revolta aberta, a Vila Nova da Rainha (Caeté) e Vila Real (Sabará). Os amotinados negaram-se a pagar o quinto de ouro exigido de cada bateia, e pediram a remissão do tributo anual, que era apenas de 480 quilos do precioso metal. Tiveram, realmente, a insolência de comparecer diante do governador, o “ilustríssimo e excelentíssimo Dom Brás Baltasar da Silveira” e, com a abundante “barbaridade” – para usar sua própria expressão –, gritaram, em seus nobres ouvidos: “Viva a Povo!”

Para baixo e para cima

Morro Vermelho é, agora, um mero arraial, um desgarrado acampamento, semelhante a uma feira ou mercado, com uma rua, “o defeito geral das aldeias de Minas”, constituindo a estrada pela qual têm que passar os viajantes, para baixo e para cima. Tem, no mínimo, 100 casas e no máximo, 180; há dois sobrados, e contei quatro vendas. A população é muita achacada pelo papo e o lugar carece de vias de comunicação, o que prejudica grandemente sua criação de gado, sua agricultura e sua indústria de fundição de ferro. As carroças só podem alcançar Morro Velho passando por Rio das Pedras, isto é, seguindo dois lados de um triângulo acentuadamente acutangular.

Mr. Gordon só nos permitiu uma hora para o almoço; os dias eram curtos, e a viagem noturna por aquelas montanhas tem de ser muito lenta. Mal tivemos tempo de passar por uma casa baixa, junto da igreja, onde mora o vigário, Padre João de Santo Antônio, sacerdote que goza de excelente reputação, que não deixa sua cidade e seu rebanho se esquecendo do que vem depois da devoção. Partimos à 1h30min da tarde, seguindo pelo caminho pedregoso, e atravessamos um regato de águas sujas pela lavagem de ouro; como o Córrego de Panela, do outro lado do arraial, é afluente do rio das Velhas. Para além dele, a estrada segue, em longa extensão, uma colina em forma de prisma, e, de sua estreita crista, descemos, alcançando logo uma depressão de terra fértil.

Em frente, elevava-se a alta serra de Roça Grande, voltada para o nascente, o que explica a sua baixa temperatura e sua bela vegetação. Aqui, ao contrário do que se dá na região marítima, o noroeste é o vento que traz chuva; o suleste traz tempo seco. Assim, Gongo Soco, na encosta setentrional da cadeia de montanhas, tem uma queda pluvial média de 3.700 milímetros por ano, em comparação com 1.700 em Morro Velho, no flanco meridional.

 

Terra de uvas e maçãs

À nossa esquerda e para baixo, ficava a grande fazenda do Alferes Mateus Lopes de Magalhães; a casa, as terras e o gado de boa qualidade mostravam que o velho proprietário português era homem trabalhador e enérgico. Brigas de família, contudo, haviam-no compelido a deixar o lar, e o pomar, cujas uvas e maçãs eram famosas, está em abandono. Para sudoeste, fica uma profunda escavação, a mina de Juca Vieira; o local é o flanco de uma elevação desigual, composta de quartzo, ardósia avermelhada, substância ferruginosa e um solo aurífero, formando piritas. A Companhia Gongo Soco não foi bem-sucedida nessas lavras, que agora estão abandonadas e cheias de água...”

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